terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O Machismo no Hip Hop

«Every black man that goes in the studio, he always got two people in his head: him, in terms of who he really is, and the thug, that he feels he has to project.»

Conrad Tillard in documentário “Hip Hop: Beyond Beats and Rhymes” (2006)


Este post é uma espécie de continuação do post “Hip Hop Feminino”. Estamos todos conscientes, e não é preciso ser um hip-hopper viciado para reparar nisso, que a cultura hip hop tem um grande ponto fraco, que é o machismo que a infecta. Na minha opinião, este é um dos seus maiores defeitos.

Este machismo é suportado principalmente pela vertente do rap, reflectindo-se depois no resto da cultura: desde os termos utilizados para se referir às mulheres até às videoclips chics. Não há dúvida aqui: é um mundo maioritariamente de/para homens.

Mas onde começou esta atitude que, à primeira vista, não seria algo que conjugasse tão bem com os princípios de união e paz que tanto se apregoa dentro deste mundo? Há quem diga que começou assim que o hip hop se associou ao mainstream. Mas eu acho que não.

Na minha opinião, e não entendam isto como uma crítica racista, o machismo vem da própria cultura afro-americana e, sendo assim, o machismo não apareceu no hip hop, mas estava lá quando o hip hop americano começou. Claro que não me refiro às festas que o Grandmaster Flash, o Afrika Bambaataa ou o Kool DJ Herc davam, mas acredito que há medida que o rap crescia e a sua forma ficando mais definida, as coisas tornaram-se mais visíveis. O rap, principalmente no início, sempre reflectiu a situação dos imigrantes africanos nos EUA (e os seus descendentes). À medida que o hip hop cresceu, o rap deixou de ser black music, como muitos ainda acreditam que é. Mas o machismo permaneceu. Não é também nenhuma novidade que há uma certa crença em algumas culturas africanas (e árabes) de que a mulher, o “sexo fraco”, é inferior ao homem. Acredito, por isso, que isto foi transportado para o hip hop, sendo mais explícito na vertente musical.

Obviamente, a indústria teve bastante interesse em explorar o estereotipo do rapper machão, num mundo onde não há mulheres, só bitches, criando assim uma série de material que transmite mensagens onde a mulher é inferiorizada, que nem vale a pena estar a exemplificar.

Claro que também não devemos desatar a apontar o dedo de cada vez que um rapper afro-americano diz bitch ou hoe. O que é preciso pensar é: aquilo poderia ser substituído por quê? Se o MC se está a referir às mulheres em geral, então o insulto é machista. Se se está a referir a uma mulher em particular, não tem necessariamente de se interpretar da mesma maneira. Lá por eu dizer que aquela gaja é uma cabra, não significa que sinta o mesmo pelo sexo feminino em geral. É só que às vezes, ela está mesmo a pedir.

Por outro lado, há que ter em conta que estamos a falar de uma cultura do ponto de vista da nossa. Na nossa cultura, ou mais propriamente na norte-americana, bitch é um insulto com grande conotação machista. Ora, às vezes, surgem exemplos de pessoas afro-americanas que usam a mesma palavra mas sem querer exprimir todo o significado que nós tiramos dela. Por exemplo: “I Love My Bitch”, do Busta Rhymes. «Grande contradição», diríamos nós. Como é que palavras como “love” e “bitch” podem estar ligadas no mesmo título? Para tirar conclusões, há que saber não só pensar por nós, mas imaginar como os outros pensam.

«I'm calling my black woman a bitch / I'm calling my peoples all kinds of thing that they're not»

Wu-Tang Clan - “Wu-Revolution” in Wu-Tang Forever (1997)

Um documentário interessante que aborda o assunto: “Hip Hop: Beyond Beats and Rhymes” de Byron Hurt.

4 comentários:

Raizes Urbanas disse...

O Rap na sua pura forma de ser tem um conjunto de normas de escrita que na maioria dos casos passa por letras explicitas contra a mulher (machismo) as forcas policiais homosexualidade posiçoes politicas á religião etc...

Mas tornou se tão usual, o uso do vocabulario e termos da cultura, que hoje ves em filmes na Televisao talkshows esse tipo de palavras serem usadas como o ar que respiram .

Bom post.

Anónimo disse...

o pimp agr deu lhe para armar-se em bom menino lol xD sim k era preciso 1 milagre pra tu tares no proximo dia d namorados a dar 1 presente a algm e a levala ao cinema...
Let's f*ck som bitches!!!

Profeta de Philogelos disse...

Para o anónimo:
Get smart or die tryin'! lol (se trocares os verbos die e try também funciona)...
Que raio é que as minhas relações pessoais têm a ver com o eu ser machista ou não?! Não ter uma relação de média/longa duração não tem nada a ver com o ter uma atitude machista. Espero que isso tenha sido só a gozar...
Anyway, no point there.
And I ain't no pimp. Not in style nor in mind.

Para o Raízes Urbanas:
O que eu quero dizer é que não tem de ser assim. O KRS-One recusa-se a usar esses termos de conotação machista e não há rapper mais puro e conectado com a cultura que ele! Eu já nem digo o deixar de usar esses termos, porque depois também se certas pessoas os deixarem de usar de vez, começa a haver uma certa "hipocrisia linguística". Agora gostava é que não houvesse esse costume de os aplicar às mulheres em geral.
Ah, e é verdade: não esquecer que bitch não é um insulto apenas para as mulheres (embora ho já o seja). Claro que no rap geralmente o é...

Dalaiama disse...

Acho muito bem que te preocupes com o machismo. Todo homem consciente da sua responsabilidade social deve se preocupar com o assunto. Somos um todo. Homems e mulheres fazemos todo parte da mesma Humanidade, devemos estar todos em sintonia em direcção a uma sociedade mais justa, menos discriminatória.

De resto, à partida temos todos as mesmas 50% de hipóteses de nascermos de um ou de outro sexo, tudo depende do acaso no momento da concepção. Não é digno haver homens que tentem fazer uso do acaso para dominar outros indivíduos (neste caso do sexo feminino).

Na minha opinião, haver quem te critique com dados incompletos e foleiros da tua experiência pessoal só ridiculariza quem critica. No campo das ideias, não pode haver críticas pessoais. É um golpe baixo. Parece argumento de quem não tem ideias para discutir.

Concordo quando dizes que "o machismo não apareceu no hip hop, mas estava lá quando o hip hop americano começou". E continuou no hip hop porque o mainstream que o acolheu também era machista. Os diversos preconceitos existem não só na cultura afroamericana. A mulher é habitualmente vista como inferior ao homem em quase todas as culturas.

Fica bem.