sábado, 30 de junho de 2007

O Valor das Letras

«Editoras e jornais e esses tais intelectuais, não percebem rimas, só instrumentais»

Sam The Kid - “A Partir de Agora in Pratica(mente) (2006)

Nas críticas dos jornais a álbuns de hip hop pode-se constatar que os autores dão muita importância aos instrumentais, ao papel do produtor. Talvez até demais.

Mas há quem diga que cada vez menos. O problema é que muitos críticos ainda não perceberam o quão importante é a mensagem no rap, como a insatisfação dos criadores do género relativamente à sociedade teve implicações directas na forma como este se desenvolveu. Mas quando estamos a falar de letras, não é devemos dar atenção só ao aspecto da mensagem, mas também há construção dos versos em si. Existem muitos rappers que não são grandes poetas simplesmente porque não sabem construir uma letra. Não têm cuidados com os versos que escrevem, fazem tudo à toa e a estética, o som que dá quando a letra é ouvida é, na minha opinião, muito importantes para se ser um bom rapper.

Talvez por a mensagem não ter tanto impacto noutros géneros musicais, muitos críticos não consideram as rimas algo tão explorável e interessante como os instrumentais. Porquê? Na grande maioria dos géneros musicais, as pessoas tocam instrumentos, e isso normalmente é muito mais admirado do que as que sabem escrever um simples letra. No rap, em que normalmente não se toca instrumentos, mas existem produtores para cuidarem da base musical, os instrumentais não deixam de poder ser admirados, já que podem ser tão complexos como os que são tocados pelas pessoas que os fazem. Mas aquilo que os MC’s dizem por cima foi ganhando relevo no passado (já que faço nisto, será que darão a devida importância às letras de outros géneros?) e hoje já vão muito mais longe do que um simples “ponham as mãos no ar!”.

Proponho também outra pergunta para reflexão: será que o facto de os Estado Unidos estarem atolados de hip hop americano, onde as mensagens passadas falam geralmente de perspectivas materialistas e pouco mais (resumindo, lixo de que ninguém quer saber), ajudou a que os críticos desvalorizassem o poder da poesia no rap? Estejam mais atentos quando lerem críticas nos jornais ou revistas e depois comentem aqui no blog.

domingo, 24 de junho de 2007

À Volta do Centro Também Há Hip Hop

«Às vezes o Porto fica um bocado à parte»

Presto em entrevista ao Nação Hip Hop

Sim, é verdade: Portugal não é só Lisboa. Também existe o Porto, Braga, Coimbra, Viseu, Beja, Évora, Faro, Santarém, … Ainda é grandito.

Mas às vezes parece que não. Sobretudo quando há pessoas que abrem um olho para a capital e fecham o outro para o resto. Sabem aquela “doença” que muitos americanos têm, que os faz pensar que não existe mais terra para além dos Estados Unidos? Deve haver uma variante dessa doença, menos perigosa e ainda assim irritante, que tem a pequena diferença de, em vez de se centralizarem as atenções nos EUA, é Lisboa que está no centro. Pena que só afecte os portugueses, senão até era uma boa oportunidade para expandir o turismo.

Algumas pessoas acharão isso normal, que o Hip Hop na capital tenha mais notoriedade que nas outras cidades, mas não é. Começo por desmontar a ilusão (para quem a tiver) de que o Hip Hop lisboeta é superior ao feito nas outras regiões. Vou falar mais do hip hop nortenho porque é aquele que me está mais próximo (naturalmente), e no final falarei também de outras zonas. Em termos de diversidade, o Porto está muito bem apetrechado, talvez não tanto como Lisboa (também não existem tantas influências culturais) mas está muito perto (espera… Qual foi a cidade que foi a capital europeia da cultura em 2004?). Em termos de qualidade, a diferença não existe. A capital do Norte tem também muita originalidade no rap que faz. Também temos b-boys a dançar breakdance no metro, por isso também não é por aí que podem atacar. E sim, as paredes do Porto já foram assaltadas muitas vezes por writers (um deles, Caos, em entrevista ao H2T, disse, referindo-se ao tempo em que começou a pintar: “foi numa época complicada, onde não se viam muitos trabalhos. Os que haviam por aí, eram do Ace e de algum pessoal que vinha cá em cima, ao Porto”).

Também noutros aspectos o Porto está muito desenvolvido no que toca à cultura Hip Hop: temos festivais com grande presença da cultura, um editora que já lançou muitos discos (diga-se de passagem, uma das mais interessantes) e outras menores (como a Ace Produktionz), temos um bar muito conhecido chamado Hard Club (e não preciso de dizer mais nada) e, finalmente, temos grupos que tornaram-se muito importantes, como os Mind Da Gap, ou os recém-chegados Mundo Secreto (e ainda os Dealema).

Para não ficarem com a ideia que é só o Norte que se integra no mesmo patamar do de Lisboa, podemos olhar para o Sul, onde temos também editoras, como a Covil Produções e a Sub-Cave Records. Temos grupos muito conhecidos como os Guardiões de Subsolo. Convém referir, como já o fiz num tópico anterior (“Além do Tejo”), o hip hop alentejano tem vindo a crescer imenso e em tão pouco tempo.

Com tudo isto quero apenas mostrar o quanto injusto é pôr um limite à volta da cidade dos alfacinhas e deixar o resto de lado. Acreditem ou não, isso incentiva a esta guerra que por vezes se vê entre Lisboa e Porto (Centro e Norte). Eu gosto imenso do hip hop lisboeta, principalmente porque não se diz “o”, mas “os”, já que há grupos que não têm realmente comparação uns com os outros. No entanto, tenho também um grande orgulho por ser cá do Norte, adoro o hip hop portuense e acho que as pessoas deviam perguntar-se o quanto custou para que as pessoas que estão envolvidas nestes projectos (e como viram, se há algo que não lhes podem chamar é “meninos mimados”) conseguiram, com pouca ou sem ajuda, alcançar uma fasquia tão alta. Biba ó Porto, carago!

domingo, 17 de junho de 2007

Os Púdicos que vão para o...

«E se vocês, ou os vossos pais são púdicos demais para ignorarem as asneiras, essa parte do vocabulário que faz parte do nosso léxico e se concentrarem só na mensagem, no que realmente interessa, eh pá, eu respeito a vossa opinião, são observadores e quê, eh pá, é a vossa opinião, mas vocês são otários, e por isso vão pró caralho!»

Ikonoklasta - “Mais Uma Intrada in As Melhores Coisas da Vida São de Graça

… caralho que os foda! Questão importante: se os palavrões fazem “parte do vocabulário” e, tal como as outras palavras, servem para comunicar (neste caso sentimentos fortes), porque não usá-los? Toda a gente sabe que não são só as pessoas mal-educadas que dizem asneiras, pois toda a gente as usa, umas com mais frequência e outras com menos.

É verdade que existem muitas palavras, principalmente no calão americano, que não são "aplicadas correctamente" (como bitch, que muitos rappers usam para falar das mulheres, mesmo que não queiram insultá-las), mas isso não se verifica só no rap e não é porque muitos dos MC’s vêm do ghetto que também se justifica isso, mas sim porque têm que ser usadas! Ninguém vai dizer que era melhor tirar o “caganeira” e outros tantos do Auto da Barca do Inferno ou que o Gil Vicente os deveria ter substituído por palavras mais moderadas, portanto porquê a indignação? Será que as mesmas pessoas que criticam o rap por essas razões não vêem filmes norte-americanos? Nem nunca virão uma peça de teatro em que se soltasse uma praga ou obscenidade, nem nunca ouviram fado? E quando acertam com o martelo no dedo, gritam “Meu Deus!”?

Há muita hipocrisia nestas críticas e se esses mesmos hipócritas não se automentalizam, ou mentalizam os seus pais, de que as asneiras existem para serem usadas quando é preciso e que quem lhes dá o valor que têm é a sociedade (não, não têm nenhum poder mágico), estão a cometer uma grande estupidez. Eu não digo que não se deva ter cuidado, porque se exagerar nos palavrões, comete-se três erros: retira-se o impacto que o palavrão tem (se começarmos a ouvir dizer muitas vezes “Filho da puta” aquilo vai criar cada vez menos choque, tal e qual como o “bitch” nos EUA); a linguagem torna-se aborrecida e uma demonstração de violência barata; aparecem lixos semânticos como este: “Fuck me, I’m fucked if I fucking know what to fucking do, the fucking fucker’s fucking fucked up and fucked off” (Your Mother’s Tongue: Book of European Invective de Stephen Burgen).

Finalmente, é importante que as pessoas tenham consciência de que palavras são palavras, quem lhes dá o poder é quem as diz (tal e qual como Vergílio Ferreira e a palavra “inócuo”). Pode-se fazer excelentes poesias com palavrões, assim como o contrário, e por muito que isso impressione muita gente, não devemos limitar o vocabulário à nossa disposição só porque alguns puritanos embirram com uma parte. Por isso a minha mensagem para esses puritanos também é: vão pró caralho!


«É frequentemente verdade que a ordinarice de um homem é o lirismo do outro»

Declaração do Juiz num processo sobre ofensa aos bons costumes
(retirado do livro
A Língua da Tua Mãe, de Stephen Burgen, 1º Ed.)

Existe uma notícia relacionada com o tema, acerca do fundador da Def Jam querer "banir palavras ofensivas" (in Diário de Notícias).