«E se vocês, ou os vossos pais são púdicos demais para ignorarem as asneiras, essa parte do vocabulário que faz parte do nosso léxico e se concentrarem só na mensagem, no que realmente interessa, eh pá, eu respeito a vossa opinião, são observadores e quê, eh pá, é a vossa opinião, mas vocês são otários, e por isso vão pró caralho!»
… caralho que os foda! Questão importante: se os palavrões fazem “parte do vocabulário” e, tal como as outras palavras, servem para comunicar (neste caso sentimentos fortes), porque não usá-los? Toda a gente sabe que não são só as pessoas mal-educadas que dizem asneiras, pois toda a gente as usa, umas com mais frequência e outras com menos.
É verdade que existem muitas palavras, principalmente no calão americano, que não são "aplicadas correctamente" (como bitch, que muitos rappers usam para falar das mulheres, mesmo que não queiram insultá-las), mas isso não se verifica só no rap e não é porque muitos dos MC’s vêm do ghetto que também se justifica isso, mas sim porque têm que ser usadas! Ninguém vai dizer que era melhor tirar o “caganeira” e outros tantos do Auto da Barca do Inferno ou que o Gil Vicente os deveria ter substituído por palavras mais moderadas, portanto porquê a indignação? Será que as mesmas pessoas que criticam o rap por essas razões não vêem filmes norte-americanos? Nem nunca virão uma peça de teatro em que se soltasse uma praga ou obscenidade, nem nunca ouviram fado? E quando acertam com o martelo no dedo, gritam “Meu Deus!”?
Há muita hipocrisia nestas críticas e se esses mesmos hipócritas não se automentalizam, ou mentalizam os seus pais, de que as asneiras existem para serem usadas quando é preciso e que quem lhes dá o valor que têm é a sociedade (não, não têm nenhum poder mágico), estão a cometer uma grande estupidez. Eu não digo que não se deva ter cuidado, porque se exagerar nos palavrões, comete-se três erros: retira-se o impacto que o palavrão tem (se começarmos a ouvir dizer muitas vezes “Filho da puta” aquilo vai criar cada vez menos choque, tal e qual como o “bitch” nos EUA); a linguagem torna-se aborrecida e uma demonstração de violência barata; aparecem lixos semânticos como este: “Fuck me, I’m fucked if I fucking know what to fucking do, the fucking fucker’s fucking fucked up and fucked off” (Your Mother’s Tongue: Book of European Invective de Stephen Burgen).
Finalmente, é importante que as pessoas tenham consciência de que palavras são palavras, quem lhes dá o poder é quem as diz (tal e qual como Vergílio Ferreira e a palavra “inócuo”). Pode-se fazer excelentes poesias com palavrões, assim como o contrário, e por muito que isso impressione muita gente, não devemos limitar o vocabulário à nossa disposição só porque alguns puritanos embirram com uma parte. Por isso a minha mensagem para esses puritanos também é: vão pró caralho!
«É frequentemente verdade que a ordinarice de um homem é o lirismo do outro»
Declaração do Juiz num processo sobre ofensa aos bons costumes
(retirado do livro A Língua da Tua Mãe, de Stephen Burgen, 1º Ed.)
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