quarta-feira, 28 de março de 2007

Abrindo os Horizontes - 3

«E não é menos Hip Hop só porque falas de mulheres»

Boss AC - Hip Hop (Sou Eu e És Tu) in RAP - Ritmo, Amor e Palavras (2005)


Terceira e última parte deste sermão sobre diversidade musical: desta vez, dentro do próprio hip hop português. Vou-vos dar uns nomes, que certamente muitos de vocês já conhecem: Dealema, Sam The Kid, Mundo Complexo, Valete, Regula, Mind Da Gap, Dupla Consciência, Lancelot, Micro, Adamastor e Suarez. Para quem conhecer um pouco melhor esta cultura, pode estabelecer aqui algumas ligações: Dealema e Mind Da Gap, Sam The Kid e Regula, Valete e Adamastor. Os outros não têm uma relação directa entre eles (não quer dizer que nunca se tenham juntado para fazer algum trabalho, mas antes que o estilo é diferente). Esta “salada” (penso que foi o Buddah que lhe chamou assim) é uma virtude para o hip hop tuga, significa que não se copiam todos uns aos outros e que há muita criatividade envolvida.

Mas há quem despreze este valor positivo. Chamo-lhes conservadores porque acham que o hip hop devia estar sujeito a uma quantidade muito maior de regras do que está na realidade. Os conservadores do tipo fanático acham que o hip hop devia falar estritamente de consciência social, enquanto que os do tipo leigo preferem os temas amorosos, sobre mulheres e festas. Nem oito nem oitenta. Chamo-lhes ignorantes porque é isso que fazem: ignoram partes da história desta cultura e esquecem algo muito importante, que é o espírito africano. Ele (ainda) persiste e está entranhado no hip hop e está relacionado com um ritmo muito especial. Isso, combinado à situação primitiva de muitos imigrantes nos anos 70, é que deu o gosto muito singular que é a essência dele. Claro que entretanto sofreu muitos processos de transformação, mas esses só trouxeram ainda mais variedade e alargaram os limites deste universo.

Então, não acham pouco razoável que se cultive uma adoração aos Dealema e Sam The Kid e se deixe outros para trás, sejam os Dupla Consciência ou os Mundo Complexo, apenas porque apostaram em estilos ainda pouco habituais? Toda a gente tem direito a não gostar de um ou outro grupo, porque não sente a música ou não se identifica com a mensagem, mas não censurem uns por quererem deixar a sua marca de um modo peculiar. Não vale a pena acreditar na revolução se depois até na música se é conservador.

Deixo aqui outra citação, para contrastar com a primeira. Nem oito nem oitenta”.

«- Agora o pessoal quer curtir é festas, man!
- Ah é?
- Eh pá, faz sons do género: “Vamos curtir, ei, vamos dançar, ei!”. 'Tás a ver? Assim coisas do género, tipo p'rás mulheres também saltarem, ver as tangas no ar e sutiãs e coisas do género, 'tás a ver?
- 'Tou a ver.
(Valete desliga o telemóvel)
- Tss. Cabrões do carago...»
Diálogo entre Valete eadmirador fictício - Coisas do Género in Serviço Público

2 comentários:

mr_mute disse...

"...acham que o hip hop devia estar sujeito a uma quantidade muito maior de regras do que está na realidade..."
o hip hop não deve estar sujeito a regras. o neto pródigo do jazz (filho do funk) nasce de uma vontade de expressão, alicerçado a uma procura e espírito de liberdade.
but that's just me yapping...

Profeta de Philogelos disse...

Depende de que regras estamos a considerar. As regras podem torná-lo monótono se existirem em excesso e original se existirem numa quantidade ideal (a pergunta é: e qual seria a quantidade?). No caso específico do rap (não confundir uma coisa com a outra) uma das principais regras que toda a gente conhece é o ritmo (a batida, que de uma forma ou de outra, está presente em todas as músicas). Se as músicas não tivessem esse ritmo, diferenciá-lo de outros estilos musicais seria mais difícil, pois aí o rap teria uma identidade menos própria, e por isso menos original.